terça-feira, 14 de maio de 2013

sobre ela etc.

Ela resolveu descansar num banco de madeira no parque.

Senta. Mas está cansada. Então deita. Fica olhando para o céu. Acha bom. Fica relaxada. Parece séria e pensativa. No que estaria pensando? Não parecia feliz. Estava séria demais para uma pessoa alegre.

Talvez estivesse deprimida, angustiada com alguma coisa. Parecia ausente, com o pensamento longe. Aquela cara de “O que estou fazendo com a minha vida?” Mas também poderia estar triste por algo que realmente tinha acontecido.

Revive lembranças. Pondera possibilidades. Nenhum sorriso lhe vem ao rosto, como costuma vir quando nos lembramos de algo bom ou engraçado. Não, ela não visitava boas lembranças.

É possível que mal conseguisse elaborar um pensamento concreto. A mente parecia sem graça, como se não pudesse entretê-la naquele momento a sós dela com ela mesma.

Estava sozinha. Será que era sozinha? Ela estava solitária porque optou ou porque não tinha a quem chamar para um passeio?

Ela não tem cara de muitos amigos... ou poucos. Olhando, não dá pra saber. Mas sei que só alguns se aproximam dela e ela gosta muito de todos eles. Têm cadeira cativa em seu coração. Mas então, por que sozinha? Até o celular deixou em casa. Estava evitando a companhia dos outros ou sabia que quando chegasse em casa não teria registro de nenhuma mensagem ou chamadas perdidas?

Inclusive, quem mais interage com ela pelo celular é o despertador, lembrando-a que, no mínimo, ele é a razão pela qual ela se levanta todas as manhãs...

Mas então... e ela? Fiquei intrigado observando-a por um bom tempo. Então me aproximei, ela me deu espaço para sentar e deitou novamente, descansando a cabeça no meu colo. Permaneceu com os olhos fechados.

-Aqui, você deixou seu celular em casa.
-É, eu sei... não queria carregar nada. Guarda aí no seu bolso. Alguém ligou?
-Só eu, antes de ver seu recado avisando que tinha vindo pra cá.
-Que bom que veio me encontrar.
-Tá tudo bem com você? Você me parece meio abatida.
-Você ficou me observando por um tempo antes de vir aqui, né?
-É, você me conhece... Mas tá tudo bem?
-Sim, só estou com sono – respondeu, sorrindo, com os olhos ainda fechados.

Sorri de volta e comecei a fazer cafuné nela... e então já não estava mais tão séria.

segunda-feira, 18 de fevereiro de 2013

a caminho de diadema

Dias atrás fui ajudar uma amiga a mudar-se para a casa de outra amiga nossa, uma que mora em Diadema, cidade vizinha de São Paulo, e aí reside todo meu conhecimento sobre a cidade.

Não que a mudança dela fosse enorme, até porque, como veio à procura de emprego, trouxe apenas duas malas não muito grandes - porém pesadas, é verdade.

Fomos, então, para Diadema. No último percurso do trajeto, pegamos um ônibus. Estava um pouco cheio e abafado. Eu coloquei as duas malas no chão, encostadas ao máximo perto dos assentos para evitar o bloqueio do corredor. Ambas ficamos em pé, ela mais pra lá, eu pra cá, batendo minha bolsa na cara da colega sentada que logo se ofereceu para segurá-la para mim, obrigada.

O ônibus foi ficando cada vez mais lotado mas, chegando a outro terminal, muitos saíram e um lugar ficou vago ao lado de um senhor, que me convidou para sentar ali, já que eu estava carregada.

Caía o mundo em chuva, mal dava para se ver lá fora.

Como quase toda conversa com estranhos, essa iniciou-se com o senhor comentando sobre a chuva e eu sobre o fato de, "ainda por cima", estar carregando as malas.

Ele foi falando o trajeto inteiro e eu nem me importei, afinal, com a nossa diferença de idade, ele tinha muito mais história para contar do que eu.

Logo fiquei interessada na conversa porque, depois de discorrer um pouco sobre como ele não suportava a cidade de Diadema que, segundo ele, tinha muita baianada e que ele já havia morado lá e que agora apenas visitava sua cunhada, esse simpático senhor preconceituoso me contou que era um bibliotecário aposentado. Disse que trabalhou por muitos anos na Biblioteca Mário de Andrade. Falou sobre seu amor pelos livros, sobre como conhecia todos os cantos de lá, especificou os gêneros que ocupavam cada andar (pelo menos não pediu que eu decorasse, pois esqueci logo em seguida), criticou uma antiga coordenadora que mandou passar pano úmido nos livros e guardar novamente, estragando diversos deles. Falou de como hoje a Biblioteca está bonita, e de como hoje o pessoal novo que trabalha lá não sabe onde ficam as coisas, tudo tem que "jogar na tela", assim é fácil, quero ver saber de cor e conduzir a pessoa até o setor correto.

Falei que ainda não conhecia essa biblioteca e que quero muito conhecê-la. Ele disse que, inclusive, as salas de estudo são muito boas. Romântica que sou, pensei que a conversa ia girar em torno disso, a paixão pelos livros, a nostalgia. Mas era um trajeto longo e a conversa foi desenrolando, mesmo que, praticamente, de forma unilateral. Eu apenas ouvia.

Depois dos livros, falou sobre a vida de aposentado, sobre como gastava seu tempo, sobre viagens, o que gostava de fazer e, principalmente, cantar. Gravou um CD com a filha, com a neta, um CD bem gravado. Ele vendeu mil cópias e agora dá de presente pra todo mundo e que, se tivesse um ali, me daria um de presente.

Ele falou da filha, da neta e do genro, 30 anos mais velho que a filha, "feio, acabado, mas ela gosta dele, é um ótimo marido pra minha filha... não tenho do que reclamar." Quando perguntei pela esposa, ele disse que já era separado. E que depois dela já havia namorado muitas, mas que as mulheres de hoje não querem nada com nada. "Só querem motel, ir a restaurante, viajar... pede pra lavar uma meia, pra você ver! 'Meia eu já lavava as do meu marido' elas dizem!" Não tem mulher que preste. A neta fez um perfil online para ele, um senhor de 82 anos, encontrar alguém para namorar. Uma de 18 anos mostrou interesse e tá louco, viu, mulherada tá impossível.

Finalmente, nós dois em pé, já no terminal, minha amiga me esperando, e eu esperando que ele terminasse a história de um cara que "Pimba!" engravidava todo mundo e até agora não sei quem é esse cara e como ele foi parar na conversa. Por último, pediu que eu anotasse o telefone dele porque ele fazia questão de me levar um CD de presente.

Acho que esse senhor não conversava com alguém há muito tempo. Ele ainda contou uma porção de coisas das quais não lembro a sequência ou os detalhes.

A conversa não foi exatamente como eu esperava, mas foi interessante. No fim, nos apresentamos, Seu Juarez, só Juarez. "E sua graça?" "Ana", respondi. E ali nos despedimos.

E até agora não sei onde deixei o papel com o telefone dele.