quarta-feira, 16 de janeiro de 2008

nosso querido highlander

Dia 2 de abril de 1998. Aula de matemática. Eu estudava num colégio estadual. A professora falava como alguém do interior. Tinha cara de quem morava em sítio. Se vestia super mal e a aula dela era péssima. Falava vagarosamente e sua voz também não ajudava muito. Lembro-me dela somente em duas ocasiões.
"Professora, meu avô morreu ontem."
"Ah, 1º de abril."
"1º de abril foi ontem, não hoje."
"E o que você está fazendo aqui?"
"Ué, ele morreu. Agora já é tarde."
Pai do meu pai. Não éramos muito próximos. Nada próximos, eu diria. Também meu pai nunca contou muitas histórias sobre ele. No dia de seu velório eu fiquei meio abalada, meu primeiro avô que faleceu. Lembro que eu sempre falava "eu tenho os quatro avós". De repente, "tenho duas avós e um vô". Mas, no mesmo dia, eu e minha prima fomos pra casa de uma amiguinha e fizemos brigadeiro, assistimos Cinderela ("Lúcifer tem seu lado bom...")... enfim, ficamos bem. Depois do enterro meu tio passou lá e nos levou pra casa da minha vó, onde a família se reuniu, pedimos pizza e relembramos os bons momentos com o falecido e demos boas risadas. Os mais velhos mais, porque tinham coisas das quais só eles achavam graça.
No dia 22 de novembro, do ano passado, eu voltei da minha caminhada matinal e minha mãe me disse que "a tia ligou de madrugada... o Dieda (avô em russo) faleceu." Aquilo doeu tanto no meu coração. Ou no meu timo. Já esperávamos por isso, porque ele estava nas últimas. Mas mesmo assim, por se tratar de algo definitivo, incomoda. Meu avô foi uma pessoa muito difícil, mas minha mãe o perdoou e sempre filtrou as lembranças negativas, de forma que eu nunca o odiei. Pelo contrário, aprendi a admirá-lo. Medo de morrer ele tinha, e muito. Apertava forte a mão de qualquer pessoa que segurava a dele. Morria de medo de passar por aquilo, medo do desconhecido. Recentemente li um texto que minha mãe escreveu sobre ele. Lindo texto. Ninguém na família se manifestou. Na verdade eles não gostam dos textos da minha mãe. Eu gosto. Aqui em casa, todos gostamos. Não escrevo bem como ela mas, pelo menos, escrevo. O texto só veio confirmar o que eu escrevi acima. Composto de fotos e boas lembranças, enche o coração de saudade. Senti saudades dele, de não ter aproveitado melhor sua companhia, suas histórias. "Tó, nenê." Esticando uma nota de cinqüenta reais, quando o real tinha apenas começado. Aquilo era uma fortuna para mim. Sempre nos chamava de nenê. Em diversas ocasiões disquei o número de seus parentes de Dourados para ele. Também costumava ir com ele buscar minha prima no colégio. Ele sempre ia com antecedência de mais ou menos uma hora. No caminho ele comprava doce de leite. E lá ficávamos, eu e ele, na frente da escola, dentro da camionete branca, esperando pela minha prima. Lembro-me também da nuca dele, castigada pelo sol e pelos anos... parecia um tabuleiro de xadrez. Os muitos movimentos de olhar para os lados produziram tal marca.
Certa vez, eu e minha prima no quarto, à noite, ouvindo música. By My Side, do INXS. Então o Dieda murmurou alguma coisa do quarto dele, ao que minha prima respondeu: "Já abaixei!" então ele disse: "não, aumenta." Ela até me olhou com espanto, mas obedeceu. Outra vez ele foi lavar os cachorros com um jato d'água bem forte que, mesmo de longe, alcançava o quintal da casa. Então ele começou a fazer graça, molhando o quintal da casa e dando risada. Minha vó não achou bonito e mandou-o parar. Eu achei o máximo, meu avô fazendo bagunça. Não é todo dia que eu via isso. Teve também a vez em que ele contou quando bateu numa menina que tinha dedurado o primo dele na escola e por aí vai. A proibição de fazer fogueira porque o vizinho ia pensar que era incêndio está gravada em nossas memórias, como uma pérola do Dieda.
É, não são tão poucas lembranças quanto eu imaginava.

4 comentários:

pati disse...

nossa, amei o texto.
você escreve muito bem, me deixou com vontade de ter conhecido seu avô.

foi triste mesmo, mas amém...

também amo você agapemente (existe essa palavra?) hehe.
beijos, fica Nele!

pati disse...

quero mais textos!!

heart. ♥

pati disse...

realmente, uns vomitos sao pouco perto de uma trombose... HIUEHE
saudade ana! tudo bom ctg? :D
e onde estao os textos? ._.

eu estou me ADAPITANDO bem sim, gracias! ieheuhe

beijo! (L) fica no Senhor!

Rafa Spoladore Ψ disse...

Belo texto.